segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Para quem Jesus nasceu...

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Para Zacarias

Havia em Israel um sacerdote já idoso. Diante das circunstâncias em que a história o apresenta, chego a pensar que estava mais cansado na alma que no corpo. Depois de muitos anos servindo a Deus em seus rituais sagrados, ainda carregava no coração a mágoa de não ter conseguido ser pai.

Sua esposa, também já idosa, era estéril. Era mais um dia de trabalho no Templo, precisava interceder pela fé do povo, mas a sua já não existia, havia dado nó, não encontrava mais dentro de si o significado que todo aquele serviço representava, estava seco, sem fé. “Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar?”. Assim estava Zacarias e ou ele se tornava um cínico, que quanto menos crê mais cria imagens enganosas para ludibriar o povo, ou ele se esgotava, lutando em sua própria consciência para manter sagrado seu serviço enquanto lhe faltava energia.

Enquanto cumpria a tarefa sacerdotal, um anjo lhe apareceu e declarou que ele seria pai e que seu filho teria uma tarefa especial a cumprir, ser o sacerdote que anuncia a chegada iminente do Messias. O medo de se frustrar novamente exigiu que ele não alimentasse esperanças juvenis. Um filho? Sendo eu e minha esposa já velhos! Pensou e disse. Quando o coração perde a fé, perde também seu senso histórico, fica à deriva como se tudo o que nos acontecesse fosse pela primeira vez, como se ninguém mais sofresse no mundo, como se tudo se resumisse à nossa existência naquele momento, nos tornamos o centro do Universo. É geralmente assim, o sofrimento nos faz crer que somos o centro de tudo. É a alegria que nos faz sentir apenas parte de uma existência plena. Mal lembrava ele que isso já havia acontecido com o Pai da Fé, Abraão, e duvidou da profecia.

Por isso foi abençoado com a melhor das disciplinas, deixar de falar. Que maravilhoso ser impedido de falar quando não se tem fé para crer no que se fala. Até o nascimento do filho, silêncio e expectativa.

Jesus nasce para pessoas assim, que perdendo a fé e sofrendo o esgotamento, precisam desesperadamente de novos olhos para enxergar as velhas circunstâncias. Nada melhor que os olhos da criança que ensinará a enxergar tudo como realmente é.

Para Isabel

Isabel era a esposa de Zacarias, aquela que não podia lhe dar um filho. Naqueles dias, mais ainda que em nossa cultura atual, uma mulher que não pudesse engravidar perdia completamente seu propósito na vida. Pode-se imaginar que ela acordava todas as manhãs sem saber para o quê levantar da cama. Deveria dizer pra si mesma: “não queria ter acordado hoje, queria ter morrido, a vida não tem sabor pra mim, o mundo não precisa de mim, meu esposo seria um homem mais feliz se tivesse se casado com outra pessoa. Sou uma vergonha para minha família. Vivi a vida toda e não fiz nada de relevante. Que legado deixarei para as próximas gerações? Nem serei lembrada um dia, por ninguém.”

Cada um de nós estabelece que precisa viver e experimentar alguns eventos durante a vida, sem os quais nada mais faz sentido. A sociedade, a Religião, a família dão conta de prover esse imaginário de metas a realizar a fim de que a vida tenha propósito, que vai desde nobres feitos a projetos de consumo.

Isabel precisava ser mãe de um filho nascido em seu ventre. O desejo torna-se obsessão, que é a doença que nos faz limitar toda a existência a uma única ausência. Há sempre muito mais disponível, mas apenas o que não há é o que passa a importar. Tudo o mais fica prejudicado, quando poderia ser a compensação pelo que não se tem.

Ela teve um filho, o João Batista, mas o Messias é seu primo, Jesus. A razão de tudo é Jesus. Isabel só teve o filho porque Jesus iria nascer. Deus não estava atendendo a um capricho, mas diminuindo a importância do que a obsessão projetava.

Jesus nasce para pessoas que precisam ser libertas da idolatria de seus desejos e sonhos, que precisam entender que a maior de suas realizações ainda será apenas coadjuvante do Deus menino.

Para Maria

Maria era uma menina, já noiva de um homem provavelmente mais maduro. Como toda menina daqueles dias sabia que o que lhe estava reservado era um bom casamento, ter filhos e cuidar dos seus. Feliz com a honradez de seu pai em lhe entregar a um bom homem, ela esperava o dia de seu casamento.

Um anjo lhe aparece e diz que ela ficará grávida e que terá um filho gerado por Deus. Como isso poderia ser, se ela ainda era virgem? Este milagre seria descomplicado apenas diante da situação. Ela teria de contar ao noivo e à família que estava grávida e ainda precisaria contar com o milagre de crerem na história. Por estar noiva, caso aparecesse grávida de outro homem, seria considerada adúltera e condenada à morte por apedrejamento.

Tudo lhe passa rapidamente pela cabeça. A vergonha dos pais, o rancor do noivo, o medo da morte. Talvez fosse melhor morrer a viver com o estigma de mulher sem vergonha.

E ela era só uma menina! Despreparada completamente para aquele filho! Ele chegou numa hora errada. Ela tinha tantos planos e aquela criança iria atrapalhar toda sua vida.

Muitas pessoas se sentem assim diante de uma gravidez inesperada. Todos os medos que uma mulher sente quando recebe uma notícia assim, estão previstos para Maria também. E ela decidiu aceitar o filho não como o causador de todos os seus problemas a partir de então, mas como presente de Deus.

Filho é filho! É presente! É bênção! O restante é que precisa se acomodar. O mundo ao redor é que precisa mudar.

Jesus nasce para pessoas que precisam decidir se aceitam a vida como um presente ou como um problema. Especialmente, Ele nasce através das pessoas que aceitam o desafio de viverem a vida como um presente, assim como Maria, que tendo obedecido a Deus e aceitado o desafio, abençoou a todos nós com seu filho. Deus conta com gente que aceita desafios para escrever sua história.

Para José

José era o noivo de Maria e depois de ouvir a história da moça toma uma difícil e importante decisão, perdoar. Não é fácil perdoar a mulher que ama sabendo ter sido traído por ela. Pois foi assim que José se sentiu. Ele não acreditou na história da gravidez espiritual, como já era de se esperar.

Sentiu-se humilhado pela menina, além de traído. “Como ela pôde imaginar que eu acreditaria nessa história?”, pensou.

Decidiu então fugir, à noite, sem que ninguém pudesse notar. Fez isso por amor e por misericórdia; foi seu jeito de perdoar. Se no dia seguinte resolvesse exigir seus direitos, fatalmente o pai de Maria teria de apedrejá-la em praça pública. Era seu direito como noivo traído e dever do pai. Ao decidir fugir, ele pouparia a vida da menina e seria considerado responsável pela gravidez. Todos na cidade diriam que ele fora um abusador, que engravidara a moça e fugira para não assumir sua responsabilidade. Ela seria tratada como a vítima, já não mais correria risco de morte. Perdoar é assumir o ônus. José sabia que ao fugir, ficaria com a culpa de tudo. E perdoar também é libertar-se da opressão. Ele não queria o mal à moça, abriu mão de vingança, mas também não queria ficar com ela. Perdoar é não cobrar a conta, mas não é necessariamente reatar as relações. Eu posso esquecer o que alguém me fez, mas não preciso viver sob o mesmo teto.

Assim ele pensou, arrumou as malas e esperou a hora certa de partir. Então um anjo apareceu e confirmou a história da moça. José viu-se liberado em sua consciência de limpar sua honra, podia receber Maria como esposa, criar o filho como se fosse seu.

Jesus nasce para que as pessoas que precisam perdoar tenham a salvaguarda de que não serão mais agredidas quando perdoarem, pois sempre ganha quem perde e entrega sua causa a Deus.

Para estes e tantos outros, para nós, Jesus nasceu. Minha oração nesse Natal é que sejamos guiados pelos olhos do menino que tudo enxerga como realmente é, assim experimentaremos fé, esperança e amor.

(Escrito por: Alexandre Robles)

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